ANA MOURA
DESFADO
Quer o destino que eu não creia no destino
E o meu fado é nem ter fado nenhum
Cantá-lo bem sem sequer o ter sentido
Senti-lo como ninguém, mas não ter sentido algum
Ai que tristeza, esta minha alegria
Ai que alegria, esta tão grande tristeza
Esperar que um dia eu não espere mais um dia
Por aquele que nunca vem e que aqui esteve presente
Ai que saudade
Que eu tenho de ter saudade
Saudades de ter alguém
Que aqui está e não existe
Sentir-me triste
Só por me sentir tão bem
E alegre sentir-me bem
Só por eu andar tão triste
Ai se eu pudesse não cantar "ai se eu pudesse"
E lamentasse não ter mais nenhum lamento
Talvez ouvisse no silêncio que fizesse
Uma voz que fosse minha cantar alguém cá dentro
Ai que desgraça esta sorte que me assiste
Ai mas que sorte eu viver tão desgraçada
Na incerteza que nada mais certo existe
Além da grande certeza de não estar certa de nada
DIA DE FOLGA
DIA DE FOLGA
Manhã na minha ruela, sol pela janela
O Sr. jeitoso dá tréguas ao berbequim
O galo descansa, ri-se a criança
Hoje não há birras, a tudo diz que sim
O casal em guerra do segundo andar
Fez as pazes, está lá fora a namorar
Cada dia é um bico d'obra
Uma carga de trabalhos, faz-nos falta renovar
Baterias, há razões de sobra
Para celebrarmos hoje com um fado que se empolga
É dia de folga
Sem pressa de ar invencível, saia, saltos, rímel
Vou descer à rua, pode o trânsito parar
O guarda desfruta, a fiscal não multa
Passo e o turista, faz por não atrapalhar
Dona Laura hoje vai ler o jornal
Na cozinha está o esposo de avental
Cada dia é um bico d'obra
Uma carga de trabalhos, faz-nos falta renovar
Baterias, há razões de sobra
Para celebrarmos hoje com um fado que se empolga
É dia de folga
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